A formação de hábitos alimentares a partir da experiência da criança

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A formação de hábitos alimentares a partir da experiência da criança

Projeto apoiado pela Fundação Cargill em Itapira (SP) atua na qualificação de profissionais responsáveis pelas refeições, além dos professores que atuam nas escolas públicas do município, envolvendo também alunos e suas famílias

O projeto “Comer na escola serve pra quê?” é uma das iniciativas apoiadas, via edital, pela Fundação Cargill em 2018. Foi desenvolvida pelo Instituto Avisa Lá, de fevereiro a dezembro, na rede municipal de Educação Infantil de Itapira/SP, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação.

Projeto de formação continuada das equipes de educação Infantil do município, contou com a participação da equipe técnica da secretaria, dos gestores escolares, dos coordenadores pedagógicos e dos professores, constituindo-se em uma rede, que efetivou mudanças nos procedimentos, serviços e rotinas de alimentação no ambiente escolar.

Em paralelo, foram realizadas atividades para que as crianças construíssem conhecimentos e atitudes relativas à alimentação para a efetivação de hábitos que promovem o seu bem-estar.

“100% das escolas de educação infantil foram atingidas pelo projeto, ou seja, 17 pré-escolas e 14 creches, em um total de 2600 crianças, que fazem suas refeições na escola (café da manhã o almoço)” explica Elza Corsi, nutricionista e bióloga, do Instituto Avisa Lá (*). O trabalho desenvolveu-se, prioritariamente, nas pré-escolas, que atuam com crianças de 4 a 5 anos e 11 meses.

A possibilidade de constituição de outro paladar

Para Elza “quando a escola trabalha com experimentação e vivência, possibilita às crianças que, ao fazerem uma salada de frutas, por exemplo, estudem de onde vêm aqueles frutos, onde nascem, etc.

Podem fazer uma mini horta e ver sua evolução, como aconteceu em várias escolas do projeto. A criança cultiva a alface da horta, colhe, lava, corta, tempera, enfim, participa do processo de produção e preparação do alimento. Como ela põe a mão na massa, aumenta a possibilidade de experimentar aquela hortaliça ou aquela fruta. E, em sala de aula, quando há experimentação e interação com os amigos, as crianças muito resistentes acabam rompendo barreiras e saboreando também”, explica Elza.

“Outra experiência realizada em sala de aula com os pequenos foi a apresentação do repolho, de forma lúdica. Na abordagem, as crianças eram indagadas sobre o que teria dentro do fruto leguminoso e elas se surpreenderam ao perceberem que não havia caroço. Depois dessa experiência e de ajudarem em diferentes preparações, todas comeram o repolho”, lembra a nutricionista.

Nessa metodologia a criança é protagonista e trabalha junto com o adulto em um ‘fazer de verdade’. “O papel do adulto é ter uma escuta atenta às perguntas infantis e se questionar sobre os conhecimentos e hipóteses que a criança tem sobre o objeto que está explorando. O que ela pensa? O que ela já sabe? Quais são suas perguntas! O exemplo do repolho é interessante porque a criança nunca havia visto esse alimento inteiro, só o viu cortado no prato e quando percebe que não tem caroço, isso é uma coisa mágica. Assim, não foi a professora que deu a resposta, mas sim instrumentos para a criança levantar hipóteses, testar e chegar as suas conclusões, com base na premissa de que se deve permitir que os pequenos façam as atividades com objetos reais e esgotem as hipóteses sobre o material que está sendo trabalhado”, sublinha Elza.

Outro aspecto que o projeto privilegia é a narrativa infantil. No caso do Comer na escola serve pra quê? as crianças são estimuladas a falar sobre a experiência e o professor será seu escriba para registrá-la. Os desenhos infantis e fotos também são utilizados, explicitando os aprendizados sobre alimentação, bem como outros conhecimentos e expressões infantis, relata a técnica do Instituto Avisa Lá.

“Isto porque o papel da escola não se limita a levar a criança a se alimentar corretamente e, neste sentido, podemos perguntar: – Comer na escola serve pra quê? E respondemos: – Para a construção de uma série de conhecimentos que não são da área da ciência objetiva, da biologia ou da nutrição especificamente, mas passa também pelo afetivo, porque hábitos têm de ser construídos pelo prazer, pelo desafio. E quando eu consigo cumprir essa tarefa, me dá muito prazer, eu me sinto mais íntegro”, afirma Elza. A questão do cuidado é carregada de afeto e a criança reconhece isso muito rapidamente”, reflete.

O projeto visa, também, dar voz à criança na escolha dos alimentos que irá consumir. E o fato de as crianças servirem-se sozinhas, lá em Itapira, também amplia as experiências de alimentação e nutrição.

Todas as escolas de educação infantil do município têm self service e as crianças aprendem rapidamente qual é a quantidade certa de alimento para não ter sobra, assinala. A autonomia é uma construção e tem de ser oportunizada com conhecimento.

Dentre os vários resultados dessa iniciativa destaca-se um novo olhar das crianças para as hortaliças e frutas pois, mesmo aquelas que se mostravam resistentes a uma nova dieta, têm aderido à ideia e mudado seu hábito alimentar. Constata-se como fundamental a construção de um novo paladar para evitar problemas como a obesidade infantil, entre outros.

“É incrível a contradição existente em um país com a nossa dimensão e que vive uma crise econômica, o fato de temos de lidar com doenças de primeiro mundo como a obesidade e, ao mesmo tempo, com o fenômeno da desnutrição. Este último apareceu com muita força no ano passado em diferentes regiões do Brasil”, comenta a bióloga.

Mudança de hábito nas famílias

A nutricionista entende que o programa permite a reconstrução de hábitos alimentares familiares, a partir do exemplo que é levado pelas crianças para dentro de casa. A criança leva os pais pelas mãos e mostra o que ela aprendeu sobre determinados alimentos.

Um dos propósitos do projeto foi mudar a demanda das crianças para os pais, passando do alimento processado, industrializado, que não exige nenhum ritual ou preparo, para a hortaliças e frutas, disparando, assim, o gatilho da mudança de hábitos em casa.

Elza comenta que, há muitos anos, as pessoas tinham rituais para se alimentar juntos, em família, em casa, e lembra que hoje em dia as crianças comem muitas vezes sozinhas ou se alimentam em frente à televisão. Mas se a criança leva uma nova demanda, a família não resiste; então, o hábito vai sendo reconstruído.

“Relatos de professores e da equipe da secretaria atestam essa mudança, como o caso de uma criança no supermercado que diz: – ‘Mãe, a senhora não comprou alface. Eu gosto de alface’. A própria mãe comenta com outra pessoa na fila: – ‘A escola está fazendo um trabalho lindo e ele, que não comia nada verde, agora pede não apenas para levar a alface, como o chuchu também’. Desta forma, a comunidade reconhece o trabalho desenvolvido na escola.

Impacto no ensino e o futuro

“Foi uma coisa ampla. A formação passou pela equipe gestora, pela direção da escola, e se propôs a pensar em como gestar as questões da merenda, como introduzir alimentos orgânicos, como pensar o que o município está produzindo; em como o município pode trazer a agricultura local e os alimentos orgânicos para dentro da escola, etc. Dois ou três professores de cada escola participaram diretamente da formação e operacionalização, contagiando os demais. Foi um projeto em cadeia, onde se criou uma rede de formação”, explica.

Para 2019, a nutricionista e bióloga traz consigo a esperança de que o projeto do Instituto Avisa Lá seja implantado permanentemente no currículo escolar. “O meu desejo é que esse projeto seja levado adiante de forma permanente no currículo escolar. Isso é para o ano que vem porque o resultado é muito forte”, encerra Elza Corsi.
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(*) Nutricionista e bióloga formada pela Universidade de São Paulo (USP) respectivamente em 1968 a 1971, Elza Corsi tem especialização em saúde pública na mesma universidade. Gerenciou três creches da rede municipal de São Paulo, antes de criar, em parceria com Silvia Carvalho, o Instituto Avisa Lá.

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